Parto deitado... e a perversão do rei

Patriarcado, medicina, parto, mulheres, submissão, rei ...
O que conseguimos fazer com as palavras acima?
Contar a história do parto e justificar o porquê de se ter adotado a posição litotómica (ou ginecológica) para parir.

Eu sei, eu sei! Também pensei que essa posição tinha origem em estudos acerca da posição mais vantajosa para a mulher, mas pelos vistos não... a evolução patriarcal não desilude e neste assunto, é mais evidente do que eu gostava de assumir. 
Então, só faltava mesmo dizer que as mulheres começaram a parir deitadas porque algum homem queria observar o parto... 

Após algumas pesquisas sobre a história do parto e cruzamento de diferentes fontes de informação (tento sempre fazer uma triagem e cruzamento da informação para evitar ser levada por ondas de desinformação que levam demasiadas vezes, a erros) concluo que a forte tentativa de humanização do momento do parto, na atualidade, pode muito ter a ver com o desenrolar da história e a forma como se foi deixando a parturiente como sendo uma "pessoa" e passou a ser um "objeto", sem grande poder de decisão ou escolha a respeito do seu parto.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), nos dias de hoje, recomenda que a mulher esteja acompanhada e tenha apoio, durante o momento do parto para que possa sentir mais conforto e encorajamento num processo tão complexo. A Lei também se desenvolveu, ao longo dos tempos, neste mesmo sentido.

Se formos "vasculhar" um bocadinho a literatura, percebemos que, desde que é possível retratar, nas mais diversas culturas, a mulher está sempre rodeada por mais pessoas, no momento de dar à luz. Inicialmente, eram apenas outras mulheres que a acompanhavam. Com o desenrolar dos tempos e a hospitalização do parto, o mesmo passou a ser feito por um médico obstetra, acompanhado por enfermeiras e técnicas ou auxiliares.
Até ao século XVII, o parto era caseiro, geralmente conduzido por uma parteira com experiência e familiares, do sexo feminino, da parturiente (os filmes que remontam a tempos antigos expressam esta mesma imagem). 
O que indica a história, é que o Rei Luís XIV, conhecido como o "Rei Sol", que reinou a partir de 1643, gostava de ver os seus filhos a chegar ao mundo. Para que a sua visão da vagina fosse mais nítida, determinou que as mulheres passassem a parir deitadas. 
Como se tratava de um Rei, é possível perceber a facilidade com que a "moda pegou" e por toda a Europa rapidamente se adotou esta posição para parir, até porque, na realeza o parto era considerado um espetáculo, assistido por várias pessoas. Naquela altura, sem informação a circular como nos dias de hoje, quem reinava possuía um poder de influência enorme. As pessoas não questionavam, acreditavam que quem regia sabia mais, sabia o que era certo e as suas práticas eram rapidamente seguidas. 
Também a partir do mesmo século, as parteiras deixam de ser as representantes na assistência ao parto, passando a dar lugar aos médicos-cirurgiões. Com esta alteração de quem "controla" o momento, as parturientes passaram a ficar, regra geral, deitadas, no momento de parir, para facilitar a utilização dos instrumentos por parte do médico. 

Com a hospitalização do parto, dá-se o afastamento da família e da rede de apoio à parturiente, uma vez que a evolução se dá no sentido de suprir todas as necessidades dos profissionais de saúde sem planeamento das necessidades de quem está a parir. Por esta razão, a mulher deixa de ter privacidade, ficando em quartos coletivos, privada do apoio de pessoas da sua confiança, sujeita a diversas normas de comportamento passando a desempenhar um papel passivo, no seu próprio parto.

É certo que a evolução da medicina e da tecnologia resulta em partos mais seguros, com muito menos dor, e taxas muito reduzidas ao nível de complicações.
Mas também podemos concluir que, a hospitalização do parto acarretou distanciamento da parturiente da sua rede de apoio mais próxima, que lhe confere maior sentimento de segurança.

Felizmente, os tempos são esperançosos. Assistimos, cada vez mais, à procura pelo parto humanizado, com o objetivo de resgatar o direito à privacidade e dignidade da parturiente, aproximando, o ambiente hospitalar do ambiente acolhedor e confortável que permita um trabalho de parto ativo e participativo, acompanhado por alguém próximo enquanto são garantidas o máximo de condições de segurança possíveis. 

Comentários

Mensagens populares